Vinicius era de um temperamento agitado, desde a infância. Na adolescência, sua inquietude deu margem a um transbordamento de emoções. Partia do princípio do tudo ou nada, do oito ou oitenta. Era exagerado. Não se contentava em ficar em cima do muro, ultrapassava todos os limites. E assim chegou à fronteira da maturidade, pelo menos cronologicamente. O tempo lhe trouxe experiências agradáveis e amargas também. Na divisa do bem e do mal teve que se decidir. Não havia o contraditório de cada lado: ou era certo ou errado. Na comunidade onde morava era conhecido como O Justiceiro.
Na faculdade, dotado de extrema responsabilidade e de caráter inabalável, ganhou logo fama. Se empenhava nos estudos, na dedicação aos professores e colegas. Estava sempre prestes a ajudar sem nada pedir em troca. Era solidário sem olhar a quem. Mas em tudo que fazia e dizia, percebia-se claramente sua marca de honestidade no julgamento do certo e do errado. Contraiu o apelido de O Maniqueísta.
No íntimo, Vinicius não era bem relacionado. Mantinha as aparências de bom sujeito por uma questão de disciplina imposta a si mesmo. Convivia num conflito existencial da aparência, criada por ele mesmo. Nem tudo que parece é. Mas até quando iria manter este personagem criado por ele mesmo? Um personagem solitário, cheio de conflitos e camuflado, nesta guerra de nervos?
O relacionamento social era uma faca de dois gumes. Se esforçava em externar aquilo que não era. Criou um sujeito mitológico dentro de si. Um ser filosoficamente apurado de teorias surpreendentes e admiráveis. Isto em muito lhe ajudou no campo social. Foi através dessas suas teorias que atraiu até admiradores.
Foi na faculdade que surgiu o seu grande admirador e amigo. Um sujeito que curtia suas palavras como ninguém, lhe deixando bastante à vontade. Era disso que estava precisando. Aos poucos Vinicius ia desabrochando, seus pensamentos fluíam com bastante naturalidade. Afinal é difícil encontrar um verdadeiro amigo. A amizade é um porto seguro, um abrigo para os nossos tormentos e infortúnios. É uma troca, um arquivo de emoções. Uma luz no fim do crepúsculo.
O tempo deu início a uma amizade sólida o suficiente para Vinicius se desprender do antigo hábito de ser o que não era. Queria uma vida nova e decidiu enfrentar a sociedade que agora o mantinha à distância. Sabia dos motivos e desconfianças a que estava sendo submetido.
Ninguém o enxergava agora, ninguém o respeitava agora. Estava sendo original, sob olhares de discriminação. Mas não aceitava isso. Nada havia de errado nessa amizade. Já estava adulto e vivido para refutar a crítica dessa falsa sociedade. Fosse há um tempo atrás ficaria furioso e desprenderia suas teorias do bem e do mal. Sua língua ferina tão admirada pelos colegas. Mas era outro. Amadureceu o equilíbrio entre o certo e o errado. Em seu caminho encontrou o cruzamento da decisão. Para que voltar atrás? Não, tomou a decisão certa. Seria ele e nada mais.
Fred. Este era o nome. Amigo de todas as horas. Compartilhava com ele todos os momentos. Bom conselheiro. Foi ele quem primeiro despertou em Vinicius a segurança de ser ele próprio. Cheio de defeitos que ninguém conhecia, Fred suportou muita grosseria do amigo. Mas ficou até o final, lutando em todas as horas difíceis. Muita gente se diz amigo, mas é no momento difícil que todos desaparecem e nos deixa só. É o mundo desumano no qual vivemos. O mundo do interesse. O mundo do materialismo. E Fred parecia concordar com isso. Lhe dava todo apoio. Uma amizade que atraía invejosos e até inimigos.
De fato causava estranheza o isolamento de Vinicius dos demais. O caminho estava aberto só para Fred. Nem da família queria saber mais. É bem verdade que sua família muito o havia desprezado, não aceitava o seu jeito diferente de ser. Isto muito colaborou para desenvolver essa atitude esquisita que o acometera. Mas estava disposto a resistir.
E Fred foi tomando espaço em sua vida. Sempre estava presente. Na alegria e na tristeza. Na tomada de decisões. Na euforia e na lamúria. Ele manipulava nas palavras, como Vinicius costumava fazer. Manobrava cada passo que este dava. Era uma espécie de espelho. Uma sombra que não largava o amigo.
Mas todos foram contra Fred. Ele tornou-se a febre de suas decisões. Nada fazia sem contar com ele. O amigo dedicado. O inimigo dos seus antigos colegas, dos professores, da família e dos vizinhos. E dos estranhos também.
É uma contradição. Pra ele, o que era o bem? O que era o mal? O que era o certo? O que era errado? Não sabia mais. E nestas horas difíceis precisamos do verdadeiro amigo. Amigo de todas as horas. Dos bons e maus momentos. É tão difícil não ter amigos. É tão difícil perder amigos! E não quero perder meu amigo Fred. Meu amigo sincero. Me diz o que pensa. Diz que gostava do meu apelido de Justiceiro e o de Maniqueísta. Mas não gosta deste, de Esquizofrênico.
(Bartolomeu Pinheiro).