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Um novo futuro está aqui!






Cantinho Literário.


Duas Vidas
(História de Bartolomeu Pinheiro de Lira)

Eram nove horas da manhã e Priscila lá estava, pontual, na sua cadeira marcada, com cabelos dourados e um ar ansioso do dever a cumprir. Não como um ato simples e corriqueiro. Havia algo a mais. Um desejo de fazer bem feito. Mostrar pra si mesma o quanto era capaz de se superar. Fugir. Fugir do passado, das lembranças descartáveis, mas que sempre a acompanhavam. Então encarava sempre o futuro. O futuro era mais presente que o próprio presente. Não bastava sonhar. Não bastava agir. Queria mesmo era apagar de sua mente qualquer traço daquelas pegadas do passado. Nem sempre isso era possível. Muitas vezes paralisava com o olhar em qualquer espaço, até mesmo na tela do computador. E o passado se descortinava: sua infância, sua adolescência, seus planos, sua família. E o banco a acordava de tudo isso. Os clientes bem ali na sua frente esperavam ser atendidos. Caía na real. O seu mundo se fechava naquelas portas de vidro do banco. O seu castelo, em seu doce pensamento de menina.

Eram nove horas da manhã. Lá estava ele, José da Silva, vestido de sol, sentado na beira de uma calçada, esperando o sinal fechar. Jovem ainda, mas com um desgaste estampado na aparência. Mas, por esperteza, inteligência talvez, procurava não demonstrar esse detalhe. Apesar de sua roupa gasta, mantinha-se limpo e bem tratado. Queria esconder suas próprias frustrações de não ter tido um lugar ao sol. Se estimulava com gritos de entusiasmo junto aos colegas. Dominava o grupo com sorrisos de esquecimento. Da sua família, da sua casa, do seu passado e do futuro, do qual não acreditava. Se empenhava apenas no presente. O presente das ruas, o presente da vida, da luta, da imaginação. E por conta desta última, mantinha-se carismático. Um carisma que encantava os transeuntes. O sorriso dos lábios. A naturalidade das palavras. A ingenuidade dos atos. Aquilo tudo era seu teatro. Seu verdadeiro teatro. E nele era verdadeiramente feliz. A luz no fim do túnel. Não um túnel fechado e nem transparente como o vidro, pois era verdadeiro, tinha os pés no chão sobre sua vida. Vida ao ar livre. Vida com o sinal fechado. Vida de bombons fantasiados. O seu futuro? Estava ali parado.

No final da tarde o sinal fecha. Os olhos de Priscila ficam preocupados, com o tempo e com o espaço. Os olhos de José, deslumbrados. Por um momento ficou paralisado. Nem lembrou mais dos bombons, coitado! Nem lembrou mais do presente. Lembrou do futuro esquecido, de um vazio. Lembrou que não era nada. Que não tinha nada, a não ser seus bombons que agora lhe pareciam sem graça. Lembrou do tempo que corria. Do curto tempo do sinal que se evaporava. Não via mais nada. Apenas aquela garota no carro, aquele vulto. E se envergonhou de si mesmo. Do seu fracasso. Camisa. Bermuda. Chinelos. Cabelos. Sua aparência triste. E olhava o sinal, na esperança dos últimos instantes. E olhava para aquela garota que não tinha problemas, tinha uma boa família, uma boa casa, um bom presente e um grande futuro. Seu teatro desabou. As cortinas caíram. Nada sobrou. Seu público se calou. O sinal abriu.

Priscila ficou assustada. Percebeu que o rapaz não tirava o olho dela. Estavam muito próximos. Ele estava bem ao lado do carro. Apenas os vidros os separavam. Vidros por todos os lados, como no banco. Ela e seu mundo de vidro. Seus olhos transparentes, de vidro. E, na disparada , viu pelo retrovisor o rapaz. Mas não viu que os bombons caíram no chão. Queria apenas chegar logo em casa, descansar e se preparar para o outro dia no banco.