A imprensa recentemente tem divulgado a polêmica em torno do livro “Caçadas de Pedrinho”, de autoria de um dos maiores escritores infantis da Literatura Brasileira , o ilustríssimo Monteiro Lobato (1882-1948). Tal fato se dá por causa do Conselho Nacional de Educação (CNE), através de um parecer publicado no Diário Oficial da União, orientando que o livro em questão não seja distribuído em escolas públicas ou que seja anexado ao mesmo uma nota explicativa sobre as passagens “racistas” encontradas no mesmo.
Os princípios estéticos de Lobato, com forte presença de purismo em sua linguagem literária, têm em suas raízes a leitura de autores clássicos, Seu feitio artístico revela-se com uma profunda visão crítica da realidade social brasileira com seu nacionalismo exacerbado. Juntando-se essas duas vertentes, o escritor desenhou uma linguagem patriótica, ufanista e moralista. Não podemos, assim, tratar a compreensão do seu livro de uma forma tão insensata e desprovida de literariedade.
Neste contexto, como diz o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), “aqueles que descobrem, nas obras belas, significações grosseiras, são corruptos sem serem elegantes. É um erro.” Ou, noutra passagem, “a vida moral do homem é um dos assuntos versados pelo artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um instrumento imperfeito”.
Não podemos repetir na História o que o próprio Monteiro Lobato, como repórter na época da Semana de Arte Moderna de 1922, ao escrever um violento artigo intitulado “Paranóia ou Mistificação?”, critica e ridiculariza a arte de Anita Malfatti, uma das cabeças do movimento modernista. Ela tinha chegado de viagem de estudo pela Europa e Estados Unidos, onde manteve contatos com os movimentos vanguardistas. Lobato via com desconfiança essas ideias inovadoras, diferentes, talvez por causa da sua formação tradicional. Foi uma crítica precipitada e desastrosa. Disse que “há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em conseqüência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres.”... “A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras , sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva.” ... “Embora eles se deem como novos, precursores de uma arte a vir, nada é mais velha do que a arte anormal ou teratológica : nasceu com a paranóia ou mistificação”. Mas nem por isso seu valor foi diminuído, visto o grau de seriedade e sua preocupação com a cultura nacional. Naquela época, surgiu uma forte reação acadêmica em torno de suas palavras.
Esse “racismo” fabricado por um colegiado do Conselho Nacional de Educação é mera “mistificação” ou mesmo “paranóia”. Como diz Wilde, “o artista é um criador de beleza”; “Revelar a arte e ocultar o artista, eis o objetivo da arte”; “A diversidade de opiniões a respeito de uma obra de arte indica que essa obra é nova, complexa e viva”.
A arte explica a arte. O que explica essa falsa democracia?
Bartolomeu Pinheiro
Especialista em Literatura Brasileira

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